sexta-feira, 24 de maio de 2013

O boi que bebia cachaça



 

1
De muito andar pelo mundo
Vi muitas arrumações
Pessoas que criam no Diabo
Outras que viram visões
Uns acreditavam em Deus
Outros  em superstições.
2
Vi cobra engolir pessoa
Vi lobisomem e Chorão
Falei com alma penada
Já vi muita assombração
Coisa que até Deus duvida
De fazer medo até o Cão.
3
Numa de minhas andanças
Num dia bastante chuvoso
Cheguei numa freguesia
Vi um causo curioso
Se eu contar o povo vai
Me chamar de mentiroso.
4
Era na Semana Santa
Sexta-feira da Paixão
Na Fazenda Vila Rica
Do Coronel Zé Leitão
Quando pisei no terreiro
Encontrei um barbatão.
5
Era um boi muito bonito
Gordo e muito bem-cuidado
Tipo de gado holandês
O chifre tava aparado
Pendia pr’um lado e pro outro
Parecia tá ensalsado.
 6
Quando saltei do cavalo
Assim que pisei no chão
O bicho partiu pra mim
Parecia um furacão
Mas de repente caiu
Adormecido no chão.
7
Pensei: “Meu anjo da guarda
Com certeza interferiu,
Este bicho assim tão grande
Pra cima de mim partiu
E antes de me chifrar
Na minha frente caiu”.
8
No chão me ajoelhei
Rezei no meio do terreiro
Umas vinte ave-marias
Pro Santo do Juazeiro
Prometi ao meu Padim
Grande quantia em dinheiro.
9
Fiz a promessa em voz alta
Quando ouvi alguém falar:
– Seu moço, se alevante
O boi não vai lhe pegar
Não carece de promessa
Pra santo algum lhe ajudar.
10
Este bicho aí caído
Na sua frente, estirado,
Com certeza ia lhe pegar
Pois ser ele encapetado
Mas não foi o seu Padim
Que o protegeu do danado.
11
Este boi é uma lástima
Brigão, valente e safado
Vive causando problema
Confusão por todo lado
Todo final de semana
O bicho fica “chapado”.
12
Confesso, não entendi
O que o homem quis dizer
Com “o bicho fica chapado”
Então logo eu quis saber
No que ele respondeu:
– Ele gosta de beber.
13
O boi que ali estava
Tinha sido dum carreiro
Homem sincero, de bem
Trabalhava o dia inteiro
Que dava valor à vida
Não ligava pra dinheiro.
14
Mas com ele trabalhava
Um moleque malcriado
Que havia fugido de casa
Há algum tempo passado
E na casa desse homem
Vivia como agregado.
15
Num certo dia uma vaca
Pariu uma bela cria
Um bezerrão holandês
E todo mundo dizia:
– Vai ser o mais belo touro
Aqui desta freguesia.
16
Uma semana depois
Na saída do cercado
Uma cobra cascavel
Entrou no meio do gado
Matando a vaca Rainha
Deixando o filho enjeitado.
17
Sabiá, o agregado
Cuidou logo de tratar
Do bezerro desmamado
Dando a ele de mamar
E o bichinho logo, logo,
Começou dele a gostar.
18
Batizou-lhe de Taboca
Por que este nome não sei
Pensei em lhe perguntar
Mas nunca me informei
Taboca ali ia crescendo
E tinha aspecto de rei.
19
Mas o moleque era ruim
Logo começou a beber
Fumava feito caipora
E sem o velho saber
Botava a boca do litro
Para Taboca lamber.
20
De vez em quando botava
Cachaça na mamadeira
E o garrote bebia
Parecia uma brincadeira
Logo ficou viciado
E caiu na bebedeira.
21
Depois aprendeu fumar
Pois o moleque ensinou
Então bebia e fumava
Ligeiro se acostumou
Começou isso aos seis meses
De lá pra cá não parou.
22
O velho entusiasmado
Começou a me dizer
Os causos do boi Taboca
Quando dava pra beber
Era cada palhaçada
Que precisava se ver.
23
Numa festa de São João
Tava o povo em brincadeira
Taboca, não sei por que,
Caiu numa bebedeira
Mijou em cima do fogo
Para apagar a fogueira.
24
Depois saiu coiceando
Chifrando quem aparecia
A mulherada gritava
A meninada corria
Furou a caixa do som
Acabando a alegria.
25
Depois entrou na igreja
Lá o bicho embrabeceu
Derrubou o lampião
E a igreja escureceu
Cagou dentro, quebrou santo
Até o padre correu.
26
Bagunçou o botequim
Tudo que tinha comeu
Virou mesa, quebrou banca
Toda a cerveja bebeu
Depois que encheu a cara
O danado adormeceu.
27
Um dia Taboca chegou
Nu’a festa de casamento
Meteu o coice na porta
Entrando de casa adentro
Comeu o bolo da noiva
No mais puro atrevimento.
28
Deu uma chifrada no noivo
E da noiva o véu rasgou
Coiceou a cozinheira
A comida derramou
Bebeu um litro de cana
E só depois se acalmou.
29
Certa noite num forró
Queria, que queria entrar
Bebeu e botou boneco
Depois começou brigar
Deu tanto coice em soldado
Que dá pena até contar.
30
Um dia chegou num velório
Foi coiceando o caixão
Comeu a coroa de flores
Jogou o defunto no chão
Chifrou a bunda dum velho
Deixando-o só de calção.
31
Já bagunçou batizado
Já fez culto terminar
Bebeu cana de despacho
Fez delegado chorar
Quando bebe, nem o capeta
Faz o bicho se acalmar.
32
Tem pra mais de trinta filhos
Este boi fora-da-lei
Alguns fumam, outros bebem
Se é verdade eu não sei
Esta é a história do velho
Eu apenas recontei.
Fim

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