segunda-feira, 27 de maio de 2013

Coisas da minha terra


Acrilica sobre tela - Série regiões do Brasil - Pedro Mauro.

Coisas da minha terra
1
Ontem à noite sonhei
Com as coisas de minha terra
Do sertão até a serra
Tudo ali eu avistei
As varedas onde andei
Os riachos onde eu pescava
As matas onde eu caçava
As moças que namorei
As cachaças que tomei
Os forrós em que eu dançava.
2
Vi mãe torrando café
Minha irmã lavando prato
Meu pai capinando mato
Vovó fazendo croché
Vovô cheirando rapé
Sentado lá no terreiro
Galo trepando em poleiro
Boi velho puxando arado
Vaqueiro ferrando gado
E peleja de violeiro.
3
Vi cachoeiras de cheia
Menino com brotoeja
Beata em porta de igreja
Falando da vida alheia
Bêbado indo pra cadeia
Depois de botar boneco
U’a ruma de cacareco
Em cima de um caminhão
Menino nu pelo chão
Bebendo água em caneco.
4
Moça ariando panela
Lavadeira no riacho
Fruta madura no cacho
Moça velha na janela
Sino tocando em capela
Anunciando a novena
Vi loira, ruiva e morena
Na festa do padroeiro
Dentro de um velho papeiro
Vi um mingau de maisena.
5
Vi uma gata parida
Gatinho novo miando
Vi um pinto beliscando
Num menino uma ferida
Uma cunhã atrevida
Na porta de um cabaré
Romeiros no Canindé
Com traje de São Francisco
Vitrola tocando disco
Num bonito arrasta-pé.
6
Vi uma velha na feira
Vendendo café com bolo
Banca de fumo de rolo
Lamparina e baladeira
Espingarda socadeira
Um grajau de bacurinha
Uma vara de galinha
Chicó bancando caipira
Cordel pendurado em embira
E um surrão de farinha.
7
Vi um cachorro caçador
Correndo atrás de um tatu
Vi avoante e nambu
Na beira de um bebedor
Vi um cabra atirador
Numa tocaia, escondido
Mulher chifrando marido
Velha pagando promessa
Menino gritando à beça
Chorando com dor de ouvido.
8
Vi uma mulher rezando
Contra espinhela caída
Uma onça destemida
Contra um cachorro brigando
Eu vi um velho fumando
O seu cigarro de palha
Penitente de mortalha
Andando em noite de lua
Vendedor com falcatrua
Vendendo chita por malha.
9
Vi uma alma penada
A Deus pedindo perdão
Ajoelhada no chão
Meia-noite na encruzilhada
Uma criança assustada
Com medo de quem morreu
Também vi um velho ateu
Dizendo: “Deus não existe!”
Vi gola comendo alpiste
Guri empurrando pneu.
10
Vi uma casa de farinha
Em noite de farinhada
Velho tirando fornada
Com goma ainda fresquinha
Cabra tomando umazinha
Vi menino empanzinado
De tanto comer grolado
Velho fazendo beiju
Assentado num uru
Mascando fumo, acocado.
11
Vi um riacho escorrendo
E um pescador pescando
Um menino se banhando
E um bezerro bebendo
Uma velha se benzendo
Quando o relampo cortou
A mão de pilão jogou
Lá no meio do terreiro
Com medo do aguaceiro
Que São Pedro despejou.
12
Vi vagalume piscando
No meio da noite escura
Vi cupim e tanajura
Vi um caburé cantando
Rasga-mortalha gritando
Sobrevoando a igreja
Rico bebendo cerveja
Pobre bebendo cachaça
Vi um festival na praça
Só de música sertaneja.
13
A lua cheia e prateada
Banhando o sertão inteiro
Mais parecia um luzeiro
Clareando a madrugada
Encontrei pela estrada
Um bando de seresteiro
Tomamos “uma” ligeiro
E tocamos violão
Sentados ali no chão
Debaixo de um juazeiro.
14
Vi retirantes passando
Aos bandos ao rumo do Sul
Vi pé de mandacaru
Em meio à seca florando
Vaqueiro triste aboiando
Se despedindo do gado
Trocando o sertão amado
Por terra desconhecida
Em busca de outra vida
Pelo sertão renegado.
15
Vi corrida de mourão
Vi careta no reisado
Vi casalsinho agarrado
Nas novenas de São João
Vi batida de limão
Vi cangalha, vi cambito
Bico-de-latão, sibito
No galho do cajueiro
Vi o meu Nordeste inteiro
Pense num lugar bonito!
16
Depois disso eu acordei
Senti a lágrima escorrendo
No peito uma coisa ardendo
Depressa me levantei
E com vontade chorei
Como um bebê desmamado
Fui pra janela, arrasado,
Olhei p’raquela cidade
Quase morro de saudade
Da terra onde fui criado.

Fim




















































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