
Acrilica sobre tela - Série regiões do Brasil - Pedro Mauro.
Coisas
da minha terra
1
Ontem
à noite sonhei
Com
as coisas de minha terra
Do
sertão até a serra
Tudo
ali eu avistei
As
varedas onde andei
Os
riachos onde eu pescava
As
matas onde eu caçava
As
moças que namorei
As
cachaças que tomei
Os
forrós em que eu dançava.
2
Vi
mãe torrando café
Minha
irmã lavando prato
Meu
pai capinando mato
Vovó
fazendo croché
Vovô
cheirando rapé
Sentado
lá no terreiro
Galo
trepando em poleiro
Boi
velho puxando arado
Vaqueiro
ferrando gado
E
peleja de violeiro.
3
Vi
cachoeiras de cheia
Menino
com brotoeja
Beata
em porta de igreja
Falando
da vida alheia
Bêbado
indo pra cadeia
Depois
de botar boneco
U’a
ruma de cacareco
Em
cima de um caminhão
Menino
nu pelo chão
Bebendo
água em caneco.
4
Moça
ariando panela
Lavadeira
no riacho
Fruta
madura no cacho
Moça
velha na janela
Sino
tocando em capela
Anunciando
a novena
Vi
loira, ruiva e morena
Na
festa do padroeiro
Dentro
de um velho papeiro
Vi
um mingau de maisena.
5
Vi
uma gata parida
Gatinho
novo miando
Vi
um pinto beliscando
Num
menino uma ferida
Uma
cunhã atrevida
Na
porta de um cabaré
Romeiros
no Canindé
Com
traje de São Francisco
Vitrola
tocando disco
Num
bonito arrasta-pé.
6
Vi
uma velha na feira
Vendendo
café com bolo
Banca
de fumo de rolo
Lamparina
e baladeira
Espingarda
socadeira
Um
grajau de bacurinha
Uma
vara de galinha
Chicó
bancando caipira
Cordel
pendurado em embira
E
um surrão de farinha.
7
Vi
um cachorro caçador
Correndo
atrás de um tatu
Vi
avoante e nambu
Na
beira de um bebedor
Vi
um cabra atirador
Numa
tocaia, escondido
Mulher
chifrando marido
Velha
pagando promessa
Menino
gritando à beça
Chorando
com dor de ouvido.
8
Vi
uma mulher rezando
Contra
espinhela caída
Uma
onça destemida
Contra
um cachorro brigando
Eu
vi um velho fumando
O
seu cigarro de palha
Penitente
de mortalha
Andando
em noite de lua
Vendedor
com falcatrua
Vendendo
chita por malha.
9
Vi
uma alma penada
A
Deus pedindo perdão
Ajoelhada
no chão
Meia-noite
na encruzilhada
Uma
criança assustada
Com
medo de quem morreu
Também
vi um velho ateu
Dizendo:
“Deus não existe!”
Vi
gola comendo alpiste
Guri
empurrando pneu.
10
Vi
uma casa de farinha
Em
noite de farinhada
Velho
tirando fornada
Com
goma ainda fresquinha
Cabra
tomando umazinha
Vi
menino empanzinado
De
tanto comer grolado
Velho
fazendo beiju
Assentado
num uru
Mascando
fumo, acocado.
11
Vi
um riacho escorrendo
E
um pescador pescando
Um
menino se banhando
E
um bezerro bebendo
Uma
velha se benzendo
Quando
o relampo cortou
A
mão de pilão jogou
Lá
no meio do terreiro
Com
medo do aguaceiro
Que
São Pedro despejou.
12
Vi
vagalume piscando
No
meio da noite escura
Vi
cupim e tanajura
Vi
um caburé cantando
Rasga-mortalha
gritando
Sobrevoando
a igreja
Rico
bebendo cerveja
Pobre
bebendo cachaça
Vi
um festival na praça
Só
de música sertaneja.
13
A
lua cheia e prateada
Banhando
o sertão inteiro
Mais
parecia um luzeiro
Clareando
a madrugada
Encontrei
pela estrada
Um
bando de seresteiro
Tomamos
“uma” ligeiro
E
tocamos violão
Sentados
ali no chão
Debaixo
de um juazeiro.
Vi
retirantes passando
Aos
bandos ao rumo do Sul
Vi
pé de mandacaru
Em
meio à seca florando
Vaqueiro
triste aboiando
Se
despedindo do gado
Trocando
o sertão amado
Por
terra desconhecida
Em
busca de outra vida
Pelo
sertão renegado.
15
Vi
corrida de mourão
Vi
careta no reisado
Vi
casalsinho agarrado
Nas
novenas de São João
Vi
batida de limão
Vi
cangalha, vi cambito
Bico-de-latão,
sibito
No
galho do cajueiro
Vi
o meu Nordeste inteiro
Pense
num lugar bonito!
16
Depois
disso eu acordei
Senti
a lágrima escorrendo
No
peito uma coisa ardendo
Depressa
me levantei
E com
vontade chorei
Como
um bebê desmamado
Fui
pra janela, arrasado,
Olhei
p’raquela cidade
Quase
morro de saudade
Da
terra onde fui criado.
Fim
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