sábado, 30 de julho de 2022

Noite de premiação do I Concurso de Literatura de Cordel de São Gonçalo - RJ

 


Ontem à noite (29/07) aconteceu a entrega de prêmios do I Concurso de Literatura de Cordel de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, organizado pelos poetas e cordelistas Zé Salvador e Ezequiel Alcântara.

Os 3 primeiros colocados foram:

1º Lugar: Alba Helena, de Niterói – RJ, com o cordel “Nosso rico folclore”

2º Lugar: João Rodrigues, de Reriutaba – CE, com o cordel “Folclorando com Cascudo”

3º Lugar: Francisco Gabriel, de Natal – RG, com o cordel “Folclore segundo o Mestre”

 

Os 3 primeiros classificados receberam Certificado, Troféu Personalizado com seu nome e exemplares da coletânea formada pelos 3 melhores cordéis. O evento aconteceu no Salão Nobre do ICBEU, na Praça Zé Garoto, em São Gonçalo.

João Rodrigues, que não pôde comparecer à entrega de prêmios, foi representado por Jefferson dos Santos.

Após as fotos, leia, na íntegra, o cordel classificado em 2º Lugar.










Cordel "Folclorando com cascudo", de João Rodrigues

A lua subia cheia

Mandando à Terra um clarão

E que prazerosamente

Banhava o rosto do chão

Embelezando ‘inda mais

Minha noite de São João.

 

Uma fogueira vibrante

No ar, faísca espalhando

Bandeirinhas coloridas

Todo o recinto enfeitando

Um sanfoneiro animado

E quadrilheiros dançando.

 

Cada barraquinha estava

Devidamente enfeitada

Oferecendo canjica

Pamonha, milho, cocada...

A impressão que eu sentia

É que não faltava nada.

 

Para começar a missa

O sacristão tocou o sino

E por cima da fogueira

Pulou, correndo, um menino

Pensei: “Meu Deus, como é lindo

O folclore nordestino!”

 

Lembrei do Chorão gritando

Meia-noite estrada afora

O menininho pagão

Chorando fora de hora

Saci, mula-sem-cabeça

Lobisomem e caipora...

 

Pensei no nosso Brasil

Um país continental

Tantas lendas, tradições...

Um celeiro cultural

E desejei conhecer

O folclore nacional.

 

Pedi logo uma “serrana”

Pra ficar mais à vontade

Bebi, “deixei a do santo”

E com naturalidade

Eu pedi que meu desejo

Se tornasse realidade.

 

Quando a “serrana” desceu

Senti o peito queimando

Olhei para o lado e vi

Um homem rindo, chegando

O próprio Câmara Cascudo

Do meu lado se sentando.

 

Me disse: “Ouvi seu desejo

E por isso aqui estou!”

Senti que meu coração

Por um momento parou

Então pedi duas doses

Dei-lhe uma. Ele aceitou.

 

Bebeu toda de uma vez

E depois cuspiu no chão

Olhou para mim com uma

Tremenda satisfação

Disse: “Vamos começar

Por nosso belo sertão”.

 

Cascudo fez um mungango

O terreiro estremeceu

A fogueira se apagou

O luar escureceu

Logo a mula-sem-cabeça

Do meu lado apareceu.

 

Depressa, tomamos outra

Na mula, logo subimos

A bicha empinou pra trás

Nós, rindo, quase caímos

Mas a gente se ajeitou

Rapidamente saímos.

 

Numa encruzilhada, vimos

Uma pessoa se espojando

Terríveis dentes surgindo

A roupa toda rasgando

No temível lobisomem

Estava se transformando.

 

Fiquei tremendo de medo

Cascudo disse: “Ignora!

Vamos procurar comida

Meu bucho ronca faz hora

Vamos ali trocar fumo

Por um tatu do caipora.

 

Além da caça, o caipora

Nos deu arroz e feijão

Um pedaço de toucinho

Fez uma trempa no chão

Ali nós comemos um

Maravilhoso baião.

 

E no poço da mãe d’água

Paramos pra nos banhar

Assim que nos avistou

Ela começou cantar

Chamando a gente pra água

Querendo nos afogar.

 

Cascudo gritou: “Meu caro,

Devemos sair daqui!”

O canto me seduzia

Eu queria ficar ali...

E a mula “picou a mula”

Pras bandas do Piauí.

 

A noite naquele estado

Estava muito animada

Tinha a Festa do Divino

Pastorinhas, Marujada

E a Roda de São Gonçalo

Muito reverenciada.

 

Na beira do Parnaíba

Assim que fomos chegando

Vimos um pobre homem louco

Na corrente se afogando

Era o Cabeça de Cuia

Sua sentença pagando.

 

Partimos pro Maranhão

Com o louco na lembrança

Mas depressa o esquecemos

Ao vermos uma festança

Logo, logo percebemos

Que era um festival de dança.

 

Paramos pra ver de perto

Aquele belo alvoroço

“Veja o tambor da crioula!”

Foi logo dizendo um moço

“Ali, é dança do coco;

Lá, é dança do caroço.”

 

Meu camarada Cascudo

Em casa pôde passar

Abriu a velha Tiquira

Somente para brindar

Em seguida, nós comemos

Um gostoso arroz do mar.

 

Já no Rio Grande do Norte

Fizemos outra parada

Juntinho ao Poço do Feio

(Que a mula ‘tava cansada)

Quase fomos seduzidos

Pela tal moça encantada.

 

Ao chegarmos no Sergipe

Lá nas brenhas do sertão

Ouvimos gritos de ordem

Do temível Capitão

Era a volante emboscando

O bando de Lampião.

 

Este pipoco de balas

Nos assustou mais ainda

Fugimos caatinga adentro

Pois a lua estava linda

E fomos nos divertir

Com os bonecos de Olinda.

 

Cascudo, olhando os bonecos,

Parou, pensando um segundo

Me disse, alegre: “Meu caro

Nosso folclore é fecundo!

Eu quase ia me esquecendo

Do maior São João do Mundo!

 

“Rumbora picar a mula

Antes que a noite se mande.

Lamento deixar Olinda...

Mas se avexe! Venha! Ande!

Temos que curtir um pouco

Na bela Campina Grande!”

 

De lá, fomos pra Alagoas

Pra conhecer um mistério

Pros moradores de lá

Tem um caso muito sério:

A Mulher da Capa Preta

Que mora no cemitério.

 

A porta do cemitério

Serviu como nosso assento

E com a mulher estanha

Falamos por um momento

De repente ela sumiu

Ligeiro que nem o vento.

 

Logo saímos dali

Seguimos nosso caminho

Paramos pra “tomar uma”

Num bar, já em Pelourinho

Até tiramos o gosto

C’um acarajé quentinho.

 

Terra de São Salvador

A urbe mais brasileira

Dei flores à Iemanjá

Dançamos na gafieira

Terminamos por brincar

Na roda de capoeira.

 

Cascudo falou pra mim:

“Apesar de divertido,

Rumbora pegar o beco.

Nosso tempo está corrido!”

Em Paritins assistimos

Caprichoso e Garantido.

 

As águas do Amazonas

Pareciam uma aquarela

Confesso, eu não tinha visto

No mundo cena mais bela:

Um lindo “boto-rapaz”

Seduzindo uma donzela.

 

Paramos em Pirenópolis

Nessa noite enluarada

Ao percebermos que a mula

Estava muito cansada

Apeamos pra assistir

Uma linda cavalhada.

 

Enquanto isso, Cascudo

Levou a mula ao ferreiro

Quando voltou, devoramos

Um belo arroz-carreteiro

Ah! Se eu pudesse ficava

Por ali o tempo inteiro.

 

Dali, partimos pro Sul

Paramos em Jaguarão

E fomos bem recebidos

Com churrasco e chimarrão

Até me arrisquei dançar

O famoso vaneirão.

 

Partimos para o Sudeste

Eu, já bastante cansado,

Ouvi Cascudo dizer:

“Depressa! Olhe para o lado!”

Olhei depressa e vi um

Grande trem descarrilado.

 

Pois é! Era São Gonçalo

Onde já fiz moradia

Bem ali, no Rio do Ouro

Com meus próprios olhos via

Ouro caindo do trem

E água abaixo escorria.

 

A mula deu lá um freio

Que levantou a poeira!

Cascudo disse: “Esta bicha

Deve estar de brincadeira!

Mas ela apontou a venta

Para a Quadra da Mangueira.

 

Chegando lá na Mangueira

O samba estava troando

O famoso Jamelão

Um samba-enredo puxando

Quando eu dei fé o Cascudo

‘Tava na roda sambando.

 

Naquela noite fagueira

Andamos Sul e Sudeste

Fomos na região Norte

Passamos na Centro-Oeste

Depois de tudo, voltamos

Ao meu querido Nordeste.

 

Se eu pudesse, teria ido

Cada estado visitar

Mas nossa mula cansou

Também não quis abusar

Do Mestre, a boa vontade

Então resolvi voltar.

 

Nem tudo que vi, contei:

As festas de romaria

Vaquejada, artesanato

Brincadeiras, cantoria...

Se eu fosse relatar tudo

No cordel não caberia.

 

A companhia de Cascudo

Foi mais do que especial

É simplesmente o maior

Folclorista! Genial!

Com ele, aprendi bastante

O folclore nacional.

 

João Rodrigues

 

 


Um comentário:

  1. Que viagem!! Conhecimento e talento para contar em versos. Show demais!

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