Ontem à noite (29/07) aconteceu a entrega de prêmios do I Concurso de
Literatura de Cordel de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, organizado pelos poetas e cordelistas Zé Salvador e Ezequiel Alcântara.
Os 3 primeiros colocados foram:
1º Lugar: Alba Helena, de Niterói – RJ, com o cordel “Nosso rico
folclore”
2º Lugar: João Rodrigues, de Reriutaba – CE, com o cordel “Folclorando
com Cascudo”
3º Lugar: Francisco Gabriel, de Natal – RG, com o cordel “Folclore
segundo o Mestre”
Os 3 primeiros classificados receberam Certificado, Troféu Personalizado
com seu nome e exemplares da coletânea formada pelos 3 melhores cordéis. O
evento aconteceu no Salão Nobre do ICBEU, na Praça Zé Garoto, em São Gonçalo.
João Rodrigues, que não pôde comparecer à entrega de prêmios, foi
representado por Jefferson dos Santos.
Após as fotos, leia, na íntegra, o cordel classificado em 2º Lugar.
A
lua subia cheia
Mandando
à Terra um clarão
E
que prazerosamente
Banhava
o rosto do chão
Embelezando
‘inda mais
Minha
noite de São João.
Uma
fogueira vibrante
No
ar, faísca espalhando
Bandeirinhas
coloridas
Todo
o recinto enfeitando
Um
sanfoneiro animado
E
quadrilheiros dançando.
Cada
barraquinha estava
Devidamente
enfeitada
Oferecendo
canjica
Pamonha,
milho, cocada...
A
impressão que eu sentia
É
que não faltava nada.
Para
começar a missa
O sacristão
tocou o sino
E
por cima da fogueira
Pulou,
correndo, um menino
Pensei:
“Meu Deus, como é lindo
O
folclore nordestino!”
Lembrei
do Chorão gritando
Meia-noite
estrada afora
O
menininho pagão
Chorando
fora de hora
Saci,
mula-sem-cabeça
Lobisomem
e caipora...
Pensei
no nosso Brasil
Um
país continental
Tantas
lendas, tradições...
Um
celeiro cultural
E
desejei conhecer
O
folclore nacional.
Pedi
logo uma “serrana”
Pra
ficar mais à vontade
Bebi,
“deixei a do santo”
E
com naturalidade
Eu
pedi que meu desejo
Se
tornasse realidade.
Quando
a “serrana” desceu
Senti
o peito queimando
Olhei
para o lado e vi
Um
homem rindo, chegando
O
próprio Câmara Cascudo
Do
meu lado se sentando.
Me
disse: “Ouvi seu desejo
E
por isso aqui estou!”
Senti
que meu coração
Por
um momento parou
Então
pedi duas doses
Dei-lhe
uma. Ele aceitou.
Bebeu
toda de uma vez
E
depois cuspiu no chão
Olhou
para mim com uma
Tremenda
satisfação
Disse:
“Vamos começar
Por
nosso belo sertão”.
Cascudo
fez um mungango
O
terreiro estremeceu
A
fogueira se apagou
O
luar escureceu
Logo
a mula-sem-cabeça
Do
meu lado apareceu.
Depressa,
tomamos outra
Na
mula, logo subimos
A
bicha empinou pra trás
Nós,
rindo, quase caímos
Mas
a gente se ajeitou
Rapidamente
saímos.
Numa
encruzilhada, vimos
Uma
pessoa se espojando
Terríveis
dentes surgindo
A
roupa toda rasgando
No
temível lobisomem
Estava
se transformando.
Fiquei
tremendo de medo
Cascudo
disse: “Ignora!
Vamos
procurar comida
Meu
bucho ronca faz hora
Vamos
ali trocar fumo
Por
um tatu do caipora.
Além
da caça, o caipora
Nos
deu arroz e feijão
Um
pedaço de toucinho
Fez
uma trempa no chão
Ali
nós comemos um
Maravilhoso
baião.
E
no poço da mãe d’água
Paramos
pra nos banhar
Assim
que nos avistou
Ela
começou cantar
Chamando
a gente pra água
Querendo
nos afogar.
Cascudo
gritou: “Meu caro,
Devemos
sair daqui!”
O
canto me seduzia
Eu
queria ficar ali...
E
a mula “picou a mula”
Pras
bandas do Piauí.
A
noite naquele estado
Estava
muito animada
Tinha
a Festa do Divino
Pastorinhas,
Marujada
E
a Roda de São Gonçalo
Muito
reverenciada.
Na
beira do Parnaíba
Assim
que fomos chegando
Vimos
um pobre homem louco
Na
corrente se afogando
Era
o Cabeça de Cuia
Sua
sentença pagando.
Partimos
pro Maranhão
Com
o louco na lembrança
Mas
depressa o esquecemos
Ao
vermos uma festança
Logo,
logo percebemos
Que
era um festival de dança.
Paramos
pra ver de perto
Aquele
belo alvoroço
“Veja
o tambor da crioula!”
Foi
logo dizendo um moço
“Ali,
é dança do coco;
Lá,
é dança do caroço.”
Meu
camarada Cascudo
Em
casa pôde passar
Abriu
a velha Tiquira
Somente
para brindar
Em
seguida, nós comemos
Um
gostoso arroz do mar.
Já
no Rio Grande do Norte
Fizemos
outra parada
Juntinho
ao Poço do Feio
(Que
a mula ‘tava cansada)
Quase
fomos seduzidos
Pela
tal moça encantada.
Ao
chegarmos no Sergipe
Lá
nas brenhas do sertão
Ouvimos
gritos de ordem
Do
temível Capitão
Era
a volante emboscando
O
bando de Lampião.
Este
pipoco de balas
Nos
assustou mais ainda
Fugimos
caatinga adentro
Pois
a lua estava linda
E
fomos nos divertir
Com
os bonecos de Olinda.
Cascudo,
olhando os bonecos,
Parou,
pensando um segundo
Me
disse, alegre: “Meu caro
Nosso
folclore é fecundo!
Eu
quase ia me esquecendo
Do
maior São João do Mundo!
“Rumbora
picar a mula
Antes
que a noite se mande.
Lamento
deixar Olinda...
Mas
se avexe! Venha! Ande!
Temos
que curtir um pouco
Na
bela Campina Grande!”
De
lá, fomos pra Alagoas
Pra
conhecer um mistério
Pros
moradores de lá
Tem
um caso muito sério:
A
Mulher da Capa Preta
Que
mora no cemitério.
A
porta do cemitério
Serviu
como nosso assento
E
com a mulher estanha
Falamos
por um momento
De
repente ela sumiu
Ligeiro
que nem o vento.
Logo
saímos dali
Seguimos
nosso caminho
Paramos
pra “tomar uma”
Num
bar, já em Pelourinho
Até
tiramos o gosto
C’um
acarajé quentinho.
Terra
de São Salvador
A
urbe mais brasileira
Dei
flores à Iemanjá
Dançamos
na gafieira
Terminamos
por brincar
Na
roda de capoeira.
Cascudo
falou pra mim:
“Apesar
de divertido,
Rumbora
pegar o beco.
Nosso
tempo está corrido!”
Em
Paritins assistimos
Caprichoso
e Garantido.
As
águas do Amazonas
Pareciam
uma aquarela
Confesso,
eu não tinha visto
No
mundo cena mais bela:
Um
lindo “boto-rapaz”
Seduzindo
uma donzela.
Paramos
em Pirenópolis
Nessa
noite enluarada
Ao
percebermos que a mula
Estava
muito cansada
Apeamos
pra assistir
Uma
linda cavalhada.
Enquanto
isso, Cascudo
Levou
a mula ao ferreiro
Quando
voltou, devoramos
Um
belo arroz-carreteiro
Ah!
Se eu pudesse ficava
Por
ali o tempo inteiro.
Dali,
partimos pro Sul
Paramos
em Jaguarão
E
fomos bem recebidos
Com
churrasco e chimarrão
Até
me arrisquei dançar
O
famoso vaneirão.
Partimos
para o Sudeste
Eu,
já bastante cansado,
Ouvi
Cascudo dizer:
“Depressa!
Olhe para o lado!”
Olhei
depressa e vi um
Grande
trem descarrilado.
Pois
é! Era São Gonçalo
Onde
já fiz moradia
Bem
ali, no Rio do Ouro
Com
meus próprios olhos via
Ouro
caindo do trem
E
água abaixo escorria.
A
mula deu lá um freio
Que
levantou a poeira!
Cascudo
disse: “Esta bicha
Deve
estar de brincadeira!
Mas
ela apontou a venta
Para
a Quadra da Mangueira.
Chegando
lá na Mangueira
O
samba estava troando
O
famoso Jamelão
Um
samba-enredo puxando
Quando
eu dei fé o Cascudo
‘Tava
na roda sambando.
Naquela
noite fagueira
Andamos
Sul e Sudeste
Fomos
na região Norte
Passamos
na Centro-Oeste
Depois
de tudo, voltamos
Ao
meu querido Nordeste.
Se
eu pudesse, teria ido
Cada
estado visitar
Mas
nossa mula cansou
Também
não quis abusar
Do
Mestre, a boa vontade
Então
resolvi voltar.
Nem
tudo que vi, contei:
As
festas de romaria
Vaquejada,
artesanato
Brincadeiras,
cantoria...
Se
eu fosse relatar tudo
No
cordel não caberia.
A
companhia de Cascudo
Foi
mais do que especial
É
simplesmente o maior
Folclorista!
Genial!
Com
ele, aprendi bastante
O
folclore nacional.
João
Rodrigues
Que viagem!! Conhecimento e talento para contar em versos. Show demais!
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