segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Cordel "No terreiro lá de casa".

 O Cordel "No terreiro lá de casa" já está prontinho! E a xilogravura é de Jefferson Campos!



                                                                     No terreiro lá de casa

1

O tempo passou ligeiro

Parece até que tem asa

Ele é daqueles sujeitos

Que o relógio nunca atrasa

Mas, por mais que ele corresse

Não fez com que eu esquecesse

Do terreiro lá de casa.

2

Meus cabelos já grisalhos

Denunciam a minha idade

Os anos me castigaram

Com cem quilos de saudade

Mas pode o tempo correr

Jamais irei esquecer

Meus tempos de mocidade.

3

Lembro dos primeiros passos

Que eu dei naquele chão

Ainda muito pequeno

Correndo só de calção

Mãe dizia: “Tenha cautela!”

Eu corria na frente dela

Vez ou outra um tropicão.

4

Ali, naquele terreiro

Onde a saudade passeia

Soltei pião, joguei bila

Brinquei de bola de meia

Chorei, cantei e sorri

E muito me diverti

Nas noites de lua cheia.

5

À noitinha, a netarada

Fazia a roda no chão

Vovô contava pra nós

Histórias de assombração

Eu, com medo, do seu lado

Ficava quieto, calado,

Segurando a sua mão.

6

Depois, quando ia dormir

Eu já bastante assombrado

Corria pra rede da mãe

Me deitava do seu lado

Ela ria, me dava um cheiro:

“As histórias do terreiro

Tão lhe deixando assustado.”

7

Todo dia de manhãzinha

Tava mãe de prontidão

Dando milho pras galinhas

Com uma cuia na mão

Os bichos cercavam ela

Eu ali do lado dela

Jogando milho no chão.

8

Era lá que pai contava

Nas noites enluaradas

As aventuras de moço

Histórias malassombradas

Seu trabalho de roceiro

Sua vida de vaqueiro

Suas incontáveis caçadas.

9

Lembro que minhas irmãs

No sábado de tardezinha

Iam capoeira afora

Em busca de vassourinha

Para varrer o terreiro

Daquele jeito fagueiro

Domingo de manhãzinha.

10

As irmãs se levantavam

No amanhecer do dia

Começava a varredeira

Juntas, naquela alegria

Iam rindo, conversando

A vassoura iam passando

Chega a poeira cobria.

11

Aquele espaço varrido

Era muito prazenteiro

E a gente conversava

Na sombra do cajueiro

Muito frondoso e florado

Deixando mais enfeitado

Nosso bonito terreiro.

12

No terreiro bem varrido

O cachorro se deitava

Galinhas comiam milho

A meninada brincava

Se divertia, satisfeita

E na época da colheita

Era onde o feijão secava.

13

Quando chegava visita

Papai mandava eu botar

Quatro ou cinco tamboretes

Para o povo se sentar

Mamãe, um café servia

E ali naquela alegria

Começavam conversar.

14

Falavam sobre política

Futebol, religião

Das capinas do roçado

Das apanhas de feijão

De festa, de farinhada

De santo, alma penada

E causos de assombração.

15

Em época de eleição

O terreiro era animado

Lotava cedo da noite

Com gente do mesmo lado

E o povo discutia

Quem ganhava, quem perdia

Quem virou pro outro lado...

16

Eu ainda era criança

E nada disso entendia

Mas aproveitava a onda

E também me divertia

O povo se animava

De vez em quando um vibrava

E eu com ele torcia.

17

Outro momento gostoso

Que guardo no coração

Eram as festas juninas

Sempre tinha animação

Minha melhor brincadeira

Era pular a fogueira

Nas noites de São João.

18

Menino, moça e rapaz

Se sentavam na calçada

Ficavam falando e rindo

Outro contava piada

Outros corriam ligeiro

Para a ponto do terreiro

Arroxar a namorada.

19

O tempo, senhor de tudo,

Registrou com maestria

Ali naquele terreiro

Belas horas de magia:

Reisado, almoço, leilão

Início e fim de paixão

Serenata e cantoria.

20

Ali eu brinquei do toca

De bandeira, de queimada

Levei queda, me ralei

Escorreguei, dei topada

Corria que fazia poeira

Atirei de baladeira

E arranjei namorada.

21

Quanta peraltice eu fiz!

Quantas o tempo me fez!

Um momento mais marcante

Que lembro com nitidez

Foi quando me despedi

De minha gente e saí

De casa a primeira vez.

22

Lembro como fosse hoje

Meus irmãos me abraçando

Mamãe dizia: “Cuidado!

Papai me aconselhando

Debaixo do cajueiro

Parecia que o terreiro

Também estava chorando.

23

Que o mundo dá muitas voltas

É a mais pura verdade

E o terreiro onde chorei

Nos tempos de mocidade

Quando a família deixei

De novo nele chorei

Só que de felicidade.

24

Hoje, posso observar

Que o tempo passou ligeiro

Carregou a minha aurora

E meu pé de cajueiro

Tudo ele pode levar

Mas não pode me tirar

As lembranças do terreiro.

 

João Rodrigues – Reriutaba – Ceará 


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