sexta-feira, 6 de novembro de 2015

DÁ-SE GOSTO DE LEMBRAR / DA TERRA ONDE FUI CRIADO



1
Lá na terra onde moro
O sol se põe às seis horas
Onde assobia o Caipora
No matagal entrançado
O vaqueiro bom de gado
Querendo um boi agarrar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

A coruja nas estradas
O viajante acompanha
Um bezerro cheio de manha
Tá no curral chiqueirado
Um rapaz apaixonado
Fica na noiva a pensar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Tem jerimum, tem feijão
Tem arroz e mandioca
Rapadura e tapioca
Tem cuscuz e milho assado
Baião de dois caprichado
Pra gente se empanturrar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

No alpendre a rede armada
Pra quem quiser se deitar
Pode dormir e sonhar
Com o sertão verde e molhado
Um cachorro bom de gado
Doidinho pra campear
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

No alpendre tem cangalha
Debaixo dela a esteira
Um cabresto e uma perneira
Um gibão velho e rasgado
Chapéu de couro ensebado
Que eu gostava de usar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Um velho carro de boi
Debaixo do cajueiro
Lá na beira do terreiro
Com o cabeçalho quebrado
Lembro do tempo passado
Quando eu ia carrear
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Uma reca de capote
Atrepada no poleiro
O galo véi no terreiro
“Cobre” galinha adoidado
Um rouxinol animado
Frangote e pinto empenado
Outros querendo empenar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

No caco está o café
Torrado por Mariazinha
Que já tá quase mocinha
De coração apaixonado
Se alembra do namorado
Então começa a cantar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Quando no mês de dezembro
Chega a primeira chuvada
A ciricora animada
Canta num tom arrojado
E um menino danado
Vai pra chuva se banhar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

No riacho tem cará
Biquara, mussum, bodó
Cangati, piau, socó
Tem menino enlameado
Com um landuá de lado
Doidinho para pescar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Tem cancão, anu, rolinha
Mané-besta e periquito
Papa-lagarta e sibito
O João-de-barro animado
No meio do barro amassado
Pra na casa trabalhar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Tem Tejo, peba e soim
Num galho a se balançar
Um cachorro pra caçar
O hábil gato pintado
Que acuado, atrepado
Se põe, de medo, a miar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.
13
Tem mufumbo, tem pau-branco
Canafista e juazeiro
Oiticica e cajueiro
Se acha por todo lado
E um menino danado
Querendo a moita amassar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Imburana e marmeleiro
Jurema preta e angico
Onde grita o periquito
Comendo o milho roubado
Que carrega do roçado
Pra poder se alimentar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Tem melancia-da-praia
Tem mutamba e canapum
Melancia e jerimum
Feijão-de-corda guardado
Num quarto velho entubado
Pra quando o verão chegar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Tem arupemba e assadeira
Surrão, pilão e grajau
Aguidá, espeto, jirau
Foice, chibanca, machado
Tem picarete encabado
Para um cacimbão cavar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Espingarda socadeira
Cabresto e chiquerador
Enxada e até ciscador
Na cerca velha encostado
Um facão velho amolado
Pro capim novo cortar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

À noite, ao som da viola
Lá na beira da fogueira
A moça namoradeira
Se agarra ao namorado
E num arrocho apertado
Mão aqui, mão acolá...
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Quando é na Semana Santa
A fartura tá na mesa
O povo vê a beleza
Que saiu de seu roçado
A Deus Pai, ajoelhado,
Agradecendo a rezar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Logo chega o mês de junho
E as festas de São João
É aquela animação
O forró rola pesado
É bêbado pra todo lado
Doidinho pra bagunçar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Logo sai uma mão de tapa
Pelas pontas do terreiro
Pois um cabra arruaceiro
Tá cheio de cana, exaltado
Não demora, e o Delegado
Chega pra farra acabar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

O cabra vai pro xadrez
Resmungando palavrão
Leva logo um empurrão
De um soldado folgado
Mas um político é chamado
E manda o bêbado soltar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Assim vai passando a vida
O ano passa correndo
As coisas acontecendo
Naquele sertão amado
Festa, cantoria, reisado
Serenata no luar
Dá-se gosto de lembrar
Da terra onde fui criado.

Em outubro as eleições
Chegam pra fazer intriga
Discussão termina em briga
De eleitor exaltado
Os votos sendo comprado
Antes do cabra votar
Isso nem é bom lembrar
Da terra onde fui criado.

Lá pelas terras do Sul
O sertanejo padece
Ao Deus do céu faz a prece
Pede um inverno arrojado
Só relembrando o passado
Se põe num canto a chorar
Já nem quer mais se alembrar
Da terra onde foi criado.

Começa a fazer as contas
Fazendo uma economia
Rezando que chegue o dia
De voltar pro chão amado
Pede as férias animado
Marca o dia de viajar
Num vê a hora de chegar
Na terra onde foi criado.

João Rodrigues Ferreira 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

JOgue seu comentário no Uru.