quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Cordel "Bodega da Dona Graça - Atravessando Gerações"

 

Desde o começo do mundo

Os homens buscam a glória

Neste enredo eles se mesclam

Entre derrota e vitória

Uns passam sem ser notados

Mas outros ficam marcados

Acabam fazendo história.

 

No ano setenta e oito

A Argentina orgulhou-se

Pois Dieguito Maradona

Para o mundo apresentou-se

Com um futebol rotundo

Ganhou a Copa do Mundo

E campeão consagrou-se.

 

Na outra ponta da América

Longe de tanta euforia

Sem fama de Maradona

Mas com a mesma alegria

Com mesma vontade e raça

U'a bodega, Dona Graça,

Em nosso Riacho abria.

 

Nada de pompa, nem luxo

Um quartinho com balcão

U'a prateleira de cana

Na mesa, um saco de pão

Um pacote de Maizena

Rapadura e Cibalena

Fumo de rolo e sabão.

 

Ainda tinha um refresco

Num pote velho enrolado

Com uma camisa velha

Na areia molhada enterrado

Mas a galera sorria

E muito feliz bebia

Como se fosse gelado.

 

Uma sinuca na sala

Era a maior atração

A moçada fazia farra

Era grande a diversão

Ali faziam a muvuca

Iam do balcão pra sinuca

Da sinuca pro balcão.

 

Qualquer um era bem-vindo

Pois lá jogava e bebia

Podia ficar à vontade

E por lá se divertia

Mas se entornasse o caneco

Depois botasse boneco

A “Véa” com ele corria.

 

Dona Graça era a xerife

Ali atrás do balcão

Tava sempre preparada

Para qualquer confusão

Pois era parada-dura

Um três oitão na cintura

Muita bala e um facão.

 

E Dona Graça fez nome

Sua fama se espalhou

Mesmo sendo muito bruta

Muito freguês conquistou

E melhorou, aliás

E uma geladeira a gás

Com muito esforço comprou.

 

Logo o sucesso cresceu

A Bodega era animada

Depois botou picolé

Para o bem da meninada

Sábado à noite era forró

E o povo arroxava o nó

Bebendo cerva gelada.

 

Um conterrâneo chegava,

Endinheirado, do Rio,

Logo fazia um forró

E brincava sem fastio

Dançavam – moça e rapaz –

Até se acabar o gás

Ou se queimar o pavio.

 

Ao som de Beto Barbosa

A juventude dançava

Vez ou outra u'a mão de tapa

A peixeira outro puxava

A mulherada corria

Dona Graça aparecia

E o forró recomeçava.

 

Naqueles anos difíceis

O jovem não ti'a dinheiro

Quase nada se ganhava

Trabalhando o dia inteiro

E ao fazer 18 anos

Refazia todos seus planos

E ia pro Rio de Janeiro.

 

Jogava fora a enxada

A chibanca e a cabaça

Comprava um jogo de pilha,

Meio litro de cachaça

E na véspera da partida

Fazia, como despedida,

Um forró na Dona Graça.

 

Assim que saía de férias

Retornava ao seu lugar

Pra visitar os amigos

Fazer forró, namorar,

Curtir e beber cachaça

E, de novo, aqui na Graça,

Se despedia ao voltar.

 

Quantas coisas se passaram

Que essa Bodega viu...

Mas o mundo foi mudando

E o Riacho evoluiu

E até que a energia

Num determinado dia

Por aqui, enfim, surgiu.

 

E Dona Graça mandou

Fazer logo a instalação

Comprou uma geladeira

E uma televisão

E a partir daquele dia

Jogou fora bateria,

Lamparina e lampião.

 

A Bodega ainda é simples

E é o mesmo ambiente

A casa é do mesmo jeito

Daquela de antigamente

Só que é bem iluminada

E também foi reformada

Mas não tá tão diferente.

 

A calçada é espaçosa

Dá pra gente se sentar

Tocar violão, beber cana

Comer carne e relaxar

Conversa tem muito não

Agora a conversação

É feita via celular.

 

Tem tablet, tem laptop

Na internet ligado

Iphone e WhatsApp

Ao mundo conectado

Tem dia que é grande a peleja

É um gole na cerveja

E um dedo no teclado.

 

Dona Graça, vendo isso,

Pensou no bem do cliente

Resolveu modernizar

Investiu no ambiente

Um Wi-fi mandou botar

E agora este lugar

Ficou bem mais atraente.

 

Agora pense a beleza

Que está esta calçada!

Wi-fi 24 horas

Com cerveja bem gelada

Churrasco em cima da mesa

Então falo com franqueza

Aqui não me falta nada.

 

Você que é do Riacho

Da turma de antigamente

Quando tirar suas férias

Venha aqui curtir com a gente

Tomar cerveja ou cachaça

Ver que a Bodega da Graça

Hoje está bem diferente.

 

Mas não perdeu o glamour

Daqueles tempos de outrora

A Dona Graça ainda é bruta

Vez ou outra dá-lhe um fora

Era bom antigamente...

Mas vou dizer francamente

Tá muito melhor agora.

 

Agora a Cyber Bodega

No mundo está antenada

Se quiser bater um papo

Com a turma da calçada

Pegue aí seu celular

No WhatsApp é só entrar

Pois a conversa é fiada.

 

Entre aí no nosso grupo

Não perca a oportunidade

Saiba que nosso Riacho

Tá sempre com novidade

Além de se informar

Ainda pode aproveitar

Para matar a saudade.

 

Pra você que antigamente

Viveu aqui emoções

Diz que bom foi o passado

Compreendo suas razões

Mas saiba que tudo passa

Só a Bodega da Graça

Atravessa gerações.

 

João Rodrigues Ferreira

 



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