O
sertanejo que sonhava ser garçom
Naqueles
anos difíceis
Que
a caneta era a enxada
O
sofá era chão duro
Não
se tinha água gelada
Bebia
água na cabaça
Levava
a vida na raça
E
dando duro na lida
Levantava
com o arrebol
Ralava
de sol a sol
Achando
graça da vida.
Já
estava embrutecido
Da
pobreza no sertão
As
duas mãos calejadas
Pra
mode ganhar o pão
Trabalhava
o mês inteiro
Nem
via a cor do dinheiro
Pensei
em mudar a sorte
Arrumei
uma passagem
Preparei
minha bagagem
Resolvi
deixar o Norte.
Nunca
ti'a entrado em ônibus
Nem
visto a grande cidade
Era
só mais um matuto
Inda
na flor da idade
A
mala cheia de sonho
E
um desejo medonho
De
mudar o meu destino
E
apesar de tantos ais
Tava
deixando pra trás
Minha
vida de menino.
Até
que um dia cheguei
Por
este mundão afora
Parecia
um burro brabo
Castigado
de espora
Era
um mundaréu de gente
Um
povo tão diferente
De
distinto linguajar
Era
um chiado danado
E
um falar complicado
Que
nunca aprendi falar.
“”,
disse meu irmão,
“De
amenhã em diante
Você
vai é trabaiá
Num
bonito restaurante
Tem
sombra e água gelada
Carne
cozida e assada...”
E
fez lá um tra-tra-trá
Que
eu fiquei foi animado
Passei
a noite acordado
Pensando
em ir trabalhar.
Quando
por lá eu cheguei
Ao
chefe me apresentou
Disse:
menino vem cá
Pra
cozinha me levou.
Mas
era tanta comida
Carne
assada e cozida
Que
até me admirei
Eu
comi que passei mal
Depois
me deram um avental
E
a trabalhar comecei.
Comecei
lavando prato
Garfo,
colher e travessa
Pensei
mi'a Nossa Senhora
Quando
é que vou sair dessa!
E
quanto mais eu lavava
Mais
louça suja chegava
Eu
mi vi nas amarelas
Quando
acabei de lavar
Ouvi
o chefe gritar:
“Zezin,
me lava as panelas!”
Quando
cheguei lá no tanque
Tinha
cada panelão
Que
cabia eu todo dentro
Meti
bucha com sabão
E
lá se vinha assadeira
Mais
panela, cuscuzeira
De
repente o chefe grita:
“Zezin,
lave só mais essa
E
corre aqui, se apressa,
Prepare
batata frita!”
Quando
a noite terminou
Eu
já bastante cansado
Pensei
em sentar um pouco
Pois
vi o chefe assentado
Ele
disse: “Sente não!
Falta
inda limpar o chão
Depois
vá lavar o banheiro.”
Saí
andando calado
Disse
um cabra do meu lado:
“Isso
é o Rio de Janeiro!”
Depois
de muito ralar
Me
passaram pra garçom
Eu
disse comigo mesmo
“Agora
o negócio é bom!”
De
paletó e gravata
No
salão, servindo a nata
Social
da Zona Sul
Nem
lembrava do sertão
Quando
almoçava feijão
E
à noite jantava angu.
Cabelo
cortado curto
Unha
feita, barbeado
Sapato
preto, brilhando
E
um paletó engomado
Me
senti todo importante
Me
achando muito elegante
Num
sabia nem andar
Chamei
um garçom do Crato
E
disse: “Bate um retrato
Pra
eu mandar pro Ceará.”
Começou
o movimento
E
foi chegando freguês
Sentou-se
na minha mesa
Um
povo falando inglês
My
friend, how are you?
Hi,
nice too meet you
Give
me one beer.
E
ao chefe fui falar
Bia
lá no Ceará
É
apelido de Maria.
“O
gringo pediu cerveja”,
Disse
o maitre já zangado.
“Vamo,
tira o pé do chão
Eita
garçom enrolado!”
E
começou a pauleira
Me
deu logo u'a suadeira
Chega
o suor escorria
Eu
tava todo atolado
E
os gringo num bodejado:
“Please,
waiter, come here!”
Fecha
conta e abre conta
Limpa
mesa, faz pedido
Quando
deu lá pra meia-noite
Eu
tava todo perdido
Se
alguém me pedia café
Eu
anotava filé
Era
aquela confusão
Se
alguém me pedia cerveja
Eu
trazia era cereja
Eita
enrolada do cão!
Foi
cliente reclamando
Outros
saíam sem pagar
Feito
cego em tiroteio
Eu
ia pra lá e pra cá
“Please,
waiter, come here
Give
me another beer”
Só
se via gringo dizer
Eu
ali todo atolado
Parecia
um abestado
Sem
saber o que fazer.
Quando
a noite terminou
O
chefe foi me falar:
“Vai
ter que pagar as contas
Que
ficaram sem cobrar!”
Foi
feia a situação
Fiquei
sem nem um tostão
Pensei:
“De hoje em diante
Nem
que a fome me arrebente
Num
passo mais nem na frente
Da
praga dum restaurante!”
João
Rodrigues - Reriutaba - Ceará
