quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Cordel "O sertanejo que sonhava ser garçom"

 

O sertanejo que sonhava ser garçom

 

Naqueles anos difíceis

Que a caneta era a enxada

O sofá era chão duro

Não se tinha água gelada

Bebia água na cabaça

Levava a vida na raça

E dando duro na lida

Levantava com o arrebol

Ralava de sol a sol

Achando graça da vida.

 

Já estava embrutecido

Da pobreza no sertão

As duas mãos calejadas

Pra mode ganhar o pão

Trabalhava o mês inteiro

Nem via a cor do dinheiro

Pensei em mudar a sorte

Arrumei uma passagem

Preparei minha bagagem

Resolvi deixar o Norte.

 

Nunca ti'a entrado em ônibus

Nem visto a grande cidade

Era só mais um matuto

Inda na flor da idade

A mala cheia de sonho

E um desejo medonho

De mudar o meu destino

E apesar de tantos ais

Tava deixando pra trás

Minha vida de menino.

 

Até que um dia cheguei

Por este mundão afora

Parecia um burro brabo

Castigado de espora

Era um mundaréu de gente

Um povo tão diferente

De distinto linguajar

Era um chiado danado

E um falar complicado

Que nunca aprendi falar.

 

“”, disse meu irmão,

“De amenhã em diante

Você vai é trabaiá

Num bonito restaurante

Tem sombra e água gelada

Carne cozida e assada...”

E fez lá um tra-tra-trá

Que eu fiquei foi animado

Passei a noite acordado

Pensando em ir trabalhar.

 

Quando por lá eu cheguei

Ao chefe me apresentou

Disse: menino vem cá

Pra cozinha me levou.

Mas era tanta comida

Carne assada e cozida

Que até me admirei

Eu comi que passei mal

Depois me deram um avental

E a trabalhar comecei.

 

Comecei lavando prato

Garfo, colher e travessa

Pensei mi'a Nossa Senhora

Quando é que vou sair dessa!

E quanto mais eu lavava

Mais louça suja chegava

Eu mi vi nas amarelas

Quando acabei de lavar

Ouvi o chefe gritar:

“Zezin, me lava as panelas!”

 

Quando cheguei lá no tanque

Tinha cada panelão

Que cabia eu todo dentro

Meti bucha com sabão

E lá se vinha assadeira

Mais panela, cuscuzeira

De repente o chefe grita:

“Zezin, lave só mais essa

E corre aqui, se apressa,

Prepare batata frita!”

 

Quando a noite terminou

Eu já bastante cansado

Pensei em sentar um pouco

Pois vi o chefe assentado

Ele disse: “Sente não!

Falta inda limpar o chão

Depois vá lavar o banheiro.”

Saí andando calado

Disse um cabra do meu lado:

“Isso é o Rio de Janeiro!”

 

Depois de muito ralar

Me passaram pra garçom

Eu disse comigo mesmo

“Agora o negócio é bom!”

De paletó e gravata

No salão, servindo a nata

Social da Zona Sul

Nem lembrava do sertão

Quando almoçava feijão

E à noite jantava angu.

 

Cabelo cortado curto

Unha feita, barbeado

Sapato preto, brilhando

E um paletó engomado

Me senti todo importante

Me achando muito elegante

Num sabia nem andar

Chamei um garçom do Crato

E disse: “Bate um retrato

Pra eu mandar pro Ceará.”

 

Começou o movimento

E foi chegando freguês

Sentou-se na minha mesa

Um povo falando inglês

My friend, how are you?

Hi, nice too meet you

Give me one beer.

E ao chefe fui falar

Bia lá no Ceará

É apelido de Maria.

 

“O gringo pediu cerveja”,

Disse o maitre já zangado.

“Vamo, tira o pé do chão

Eita garçom enrolado!”

E começou a pauleira

Me deu logo u'a suadeira

Chega o suor escorria

Eu tava todo atolado

E os gringo num bodejado:

“Please, waiter, come here!”

 

Fecha conta e abre conta

Limpa mesa, faz pedido

Quando deu lá pra meia-noite

Eu tava todo perdido

Se alguém me pedia café

Eu anotava filé

Era aquela confusão

Se alguém me pedia cerveja

Eu trazia era cereja

Eita enrolada do cão!

 

Foi cliente reclamando

Outros saíam sem pagar

Feito cego em tiroteio

Eu ia pra lá e pra cá

“Please, waiter, come here

Give me another beer”

Só se via gringo dizer

Eu ali todo atolado

Parecia um abestado

Sem saber o que fazer.

 

Quando a noite terminou

O chefe foi me falar:

“Vai ter que pagar as contas

Que ficaram sem cobrar!”

Foi feia a situação

Fiquei sem nem um tostão

Pensei: “De hoje em diante

Nem que a fome me arrebente

Num passo mais nem na frente

Da praga dum restaurante!”

 

  

João Rodrigues - Reriutaba - Ceará

Cordel "Bodega da Dona Graça - Atravessando Gerações"

 

Desde o começo do mundo

Os homens buscam a glória

Neste enredo eles se mesclam

Entre derrota e vitória

Uns passam sem ser notados

Mas outros ficam marcados

Acabam fazendo história.

 

No ano setenta e oito

A Argentina orgulhou-se

Pois Dieguito Maradona

Para o mundo apresentou-se

Com um futebol rotundo

Ganhou a Copa do Mundo

E campeão consagrou-se.

 

Na outra ponta da América

Longe de tanta euforia

Sem fama de Maradona

Mas com a mesma alegria

Com mesma vontade e raça

U'a bodega, Dona Graça,

Em nosso Riacho abria.

 

Nada de pompa, nem luxo

Um quartinho com balcão

U'a prateleira de cana

Na mesa, um saco de pão

Um pacote de Maizena

Rapadura e Cibalena

Fumo de rolo e sabão.

 

Ainda tinha um refresco

Num pote velho enrolado

Com uma camisa velha

Na areia molhada enterrado

Mas a galera sorria

E muito feliz bebia

Como se fosse gelado.

 

Uma sinuca na sala

Era a maior atração

A moçada fazia farra

Era grande a diversão

Ali faziam a muvuca

Iam do balcão pra sinuca

Da sinuca pro balcão.

 

Qualquer um era bem-vindo

Pois lá jogava e bebia

Podia ficar à vontade

E por lá se divertia

Mas se entornasse o caneco

Depois botasse boneco

A “Véa” com ele corria.

 

Dona Graça era a xerife

Ali atrás do balcão

Tava sempre preparada

Para qualquer confusão

Pois era parada-dura

Um três oitão na cintura

Muita bala e um facão.

 

E Dona Graça fez nome

Sua fama se espalhou

Mesmo sendo muito bruta

Muito freguês conquistou

E melhorou, aliás

E uma geladeira a gás

Com muito esforço comprou.

 

Logo o sucesso cresceu

A Bodega era animada

Depois botou picolé

Para o bem da meninada

Sábado à noite era forró

E o povo arroxava o nó

Bebendo cerva gelada.

 

Um conterrâneo chegava,

Endinheirado, do Rio,

Logo fazia um forró

E brincava sem fastio

Dançavam – moça e rapaz –

Até se acabar o gás

Ou se queimar o pavio.

 

Ao som de Beto Barbosa

A juventude dançava

Vez ou outra u'a mão de tapa

A peixeira outro puxava

A mulherada corria

Dona Graça aparecia

E o forró recomeçava.

 

Naqueles anos difíceis

O jovem não ti'a dinheiro

Quase nada se ganhava

Trabalhando o dia inteiro

E ao fazer 18 anos

Refazia todos seus planos

E ia pro Rio de Janeiro.

 

Jogava fora a enxada

A chibanca e a cabaça

Comprava um jogo de pilha,

Meio litro de cachaça

E na véspera da partida

Fazia, como despedida,

Um forró na Dona Graça.

 

Assim que saía de férias

Retornava ao seu lugar

Pra visitar os amigos

Fazer forró, namorar,

Curtir e beber cachaça

E, de novo, aqui na Graça,

Se despedia ao voltar.

 

Quantas coisas se passaram

Que essa Bodega viu...

Mas o mundo foi mudando

E o Riacho evoluiu

E até que a energia

Num determinado dia

Por aqui, enfim, surgiu.

 

E Dona Graça mandou

Fazer logo a instalação

Comprou uma geladeira

E uma televisão

E a partir daquele dia

Jogou fora bateria,

Lamparina e lampião.

 

A Bodega ainda é simples

E é o mesmo ambiente

A casa é do mesmo jeito

Daquela de antigamente

Só que é bem iluminada

E também foi reformada

Mas não tá tão diferente.

 

A calçada é espaçosa

Dá pra gente se sentar

Tocar violão, beber cana

Comer carne e relaxar

Conversa tem muito não

Agora a conversação

É feita via celular.

 

Tem tablet, tem laptop

Na internet ligado

Iphone e WhatsApp

Ao mundo conectado

Tem dia que é grande a peleja

É um gole na cerveja

E um dedo no teclado.

 

Dona Graça, vendo isso,

Pensou no bem do cliente

Resolveu modernizar

Investiu no ambiente

Um Wi-fi mandou botar

E agora este lugar

Ficou bem mais atraente.

 

Agora pense a beleza

Que está esta calçada!

Wi-fi 24 horas

Com cerveja bem gelada

Churrasco em cima da mesa

Então falo com franqueza

Aqui não me falta nada.

 

Você que é do Riacho

Da turma de antigamente

Quando tirar suas férias

Venha aqui curtir com a gente

Tomar cerveja ou cachaça

Ver que a Bodega da Graça

Hoje está bem diferente.

 

Mas não perdeu o glamour

Daqueles tempos de outrora

A Dona Graça ainda é bruta

Vez ou outra dá-lhe um fora

Era bom antigamente...

Mas vou dizer francamente

Tá muito melhor agora.

 

Agora a Cyber Bodega

No mundo está antenada

Se quiser bater um papo

Com a turma da calçada

Pegue aí seu celular

No WhatsApp é só entrar

Pois a conversa é fiada.

 

Entre aí no nosso grupo

Não perca a oportunidade

Saiba que nosso Riacho

Tá sempre com novidade

Além de se informar

Ainda pode aproveitar

Para matar a saudade.

 

Pra você que antigamente

Viveu aqui emoções

Diz que bom foi o passado

Compreendo suas razões

Mas saiba que tudo passa

Só a Bodega da Graça

Atravessa gerações.

 

João Rodrigues Ferreira

 



Classificação em concurso de Cordel

 O Cordel está cada vez mais ganhando destaque, dia após dia, no cenário nacional. Academias, blogs, coletivos, redes sociais e outros meios expandem essa literatura feito fogo no capim.

Além disso, há os concursos literários, que dão oportunidade para os cordelistas espalhados por todo o país mostrarem seu talento na arte de narrar, rimar e metrificar. Além de oportunidade, dá publicidade, uma vez que muitos desses concursos têm espaços em jornais e mídias de grande circulação. Isso é fantástico!

Um exemplo é o recente Concurso Leandro Gomes de Barros de Literatura de Cordel, cujo resultado saiu agora em outubro, organizado no Distrito Federal, com o apoio de diversas instituições.

Neste, em consegui o 14º Lugar dentre mais de 100 participantes. Se não foi a colocação que eu gostaria, pelo menos foi mais uma oportunidade que surgiu, e das boas.

A cada concurso organizado, o Cordel respira alto.



XXIV Concurso de Trovas do Clube dos Trovadores do Seridó - 2025

 Versejar é um verbo do qual gosto muito, por isso estou sempre escrevendo poemas, cordéis, trovas... Embora também me arrisque em outros gêneros, é com as rimas que tenho mais intimidade.

Estou sempre participando de concursos literários, e vez ou outra consigo um pódio, uma classificação... Desta vez, consegui o 6º Lugar neste concurso, Categoria Novo Trovador, cujo tema foi RAIZ. Aqui, fiz uma homenagem ao nosso querido Gonzagão.

É claro que fiquei feliz com a classificação. Afinal, neste mundo das trovas, vencer não é nada fácil.



Concurso de Trovas de Aracoiaba - 2024

 E as conquistas não param, graças a Deus!

Desta vez, alcancei o 5º Lugar no Concurso de Trovas de Aracoiaba - CE, cujo tema foi JUSTIÇA.

E como novo trovador, arrebatei esta colocação, com justiça!


sábado, 27 de setembro de 2025



 Hoje tive a imensa alegria de receber este certificado de participação no Primeiro Concurso de Cordel Vozes do Patativa, realizado em março de 2025, organizado pela Universidade Patativa.

Momentos assim são portas que se abrem para apresentarmos nosso trabalho.

Bate-papo na Formação de Professores, CED - Sobral



Ontem à tarde (26.09.2025), tive a imensa alegria de participar da Formação de Professores no Eixo Literatura, no CED de Sobral.

Em parceria com a Formadora do Eixo de Literatura, Julinha, estive batendo um papo com professores da CREDE 6 do Ceará e falando sobre o meu fazer literário que vem se tecendo ao longo de duas décadas, entre livros e cordéis.

Além disso, também aproveitei para declamar alguns poemas de minha autoria, expor livros e cordéis e adquirir um pouco de experiências para o meu viver pedagógico com os professores de lá. 

Enfim, um momento riquíssimo, quando tive a oportunidade de reencontrar velhos amigos, conhecer outros novos e espalhar poesia e literatura por este Ceará afora.

Agradeço imensamente à Formadora Julinha pelo espaço concedido, assim como a minha amiga Lindoneide Sousa, Formadora do Eixo de Literatura de Reriutaba, pelo apoio e parceria de sempre.